Suicídio na infância e adolescência: compreender e acolher

Rackel Eleutério

psiquiatra, pediatra, especialista em saúde mental da infância e adolescência. Integra o departamento da SOPEPE

 

Passar pelas adversidades da vida exige das pessoas o crescente desenvolvimento de habilidades de enfrentamento dos problemas. A capacidade reflexiva, a busca por soluções alternativas e a possibilidade de contar com apoio social são aspectos de grande relevância nesse caminhar. Para alguns indivíduos, esse é um processo natural que resulta em aprendizado e fortalecimento pessoal. Para outros, porém, estas vivências se acompanham de grandes dificuldades com resultante tensão, angústia e desespero. Diante de tais situações, em algum momento da vida, muitas pessoas consideram o suicídio como uma alternativa para por fim a este sofrimento.

O suicídio é, por definição, o ato intencional de por fim à própria vida. Trata-se de um fenômeno complexo e multifacetado que envolve diversos fatores podendo afetar indivíduos de diversas origens, classes sociais, gênero e idade.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, o suicídio representa 1,4% de todas as mortes em todo o mundo, tornando-se, em 2012 a 15a causa de mortalidade na população geral. Entre os jovens de 15 a 29 anos, é a segunda principal causa de morte. No Brasil, de acordo com o Boletim Epidemiológico publicado em 2017 pelo Ministério da Saúde, houve um aumento de 14% dos casos ocorridos entre jovens de 10 a 14 anos, no período de 2002 a 2012. Trata-se de um cenário preocupante, em especial no que se refere às crianças e adolescentes, pois se tratam de indivíduos em maior condição de vulnerabilidade, quando comparados aos adultos.

Para que se possam promover ações de prevenção do suicídio, o reconhecimento precoce de indivíduos em risco é um ponto de grande relevância. Assim como os adultos, crianças e adolescentes manifestam sinais que servem de alerta para a ocorrência desses atentados. Expressões como “Se eu morrer, ninguém vai sentir minha falta” ou “Tudo ficará melhor sem mim” são possíveis indícios dessa intencionalidade. Mesmo crianças pequenas, com limitada compreensão do conceito de morte, podem experimentar sentimentos de tristeza e angústia tão significativos que os exponham ao desejo de nunca terem nascido. Estas, porém, apresentam maiores dificuldades em nomear tais sentimentos, restringindo-se, assim, sua expressão ao campo do comportamento.

Para a identificação dos sinais de alerta, a observação permanente é o ponto chave. Dentre estes sinais, podem-se citar o comportamento retraído, pobreza de rede social (ou predominância da rede social virtual em detrimento da real), irritabilidade, pessimismo, apatia, mudanças no padrão de sono e/ou alimentação. Algumas características psicológicas também podem ser identificadas nos indivíduos de maior risco como a impulsividade, rigidez do pensamento (não conseguindo ver a situação por ângulos diferentes), ambivalência do sentimento (morte como representante de perdas, porém de alívio em determinados momentos), desesperança, pessimismo, apatia.

O manejo de possíveis fatores de risco também se faz indispensável nesse processo. Sendo um evento multifatorial, as razões para o ato suicida encontram raízes na genética (como a herança de características de impulsividade e de transtornos psiquiátricos) e no ambiente. Nestes últimos, têm-se conflitos familiares (com a ineficiência na comunicação interpessoal), vivência de violências física e/ou sexual em idades precoces, separações ou perdas de pessoas próximas, fracasso ou absenteísmo escolar, envolvimento em grupos de amigos com comportamentos de risco, uso de álcool ou drogas, história familiar de suicídio. A identificação destas condições predisponentes é fundamental, mas o manejo delas é mais importante do que a sua simples tentativa de quantificação. A ocorrência de ideação ou mesmo de tentativas de suicídio em crianças e adolescentes demanda uma abordagem abrangente com intervenções nos mais variados campos de suas vidas. Para tanto, devem ser encaminhados para avaliação por profissionais especializados em saúde mental da infância e adolescência, prestando-se assistência psicológica e psiquiátrica. Promover o fortalecimento de vínculos sociais e familiares (com escuta empática e sem julgamentos), intervir no âmbito escolar e restringir o acesso a métodos e instrumentos de potencial risco letal são algumas das medidas de proteção a serem tomadas. É preciso compreender que a decisão de por fim à própria existência é, em ultima instância, o resultado do sofrimento, da inviabilidade de outras propostas de solução, da falta de ter com quem contar, objetiva ou subjetivamente.

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